A situação dos contratos de locação em shopping center em tempos de crise por causa da pandemia

Por Dayane Souza e Flávia Amaral

Atualmente, a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) registra 577 shoppings em operação no país que, juntos, contabilizam um total de 105.592 lojas e faturamento da ordem de R$ 192,8 bilhões.[1]

Os números expressivos ganham ainda mais destaque no contexto de pandemia causada pela COVID-19, pelo fato de que, em diversos estados e municípios, foram publicados decretos que suspendem as atividades comerciais não essenciais.

Neste sentido, o setor varejista foi diretamente impactado, de modo a prejudicar o faturamento, desde pequenos lojistas a grandes redes de lojas e franquias. Por conta disso, tem se tornado recorrente o questionamento sobre a possiblidade de suspensão das cobranças de aluguel – e este questionamento foi parar no judiciário.

Revisão judicial

Algumas demandas já foram ajuizadas[2] e, em uma delas, uma loja de ternos (locatária) propôs ação em face de uma administradora de shopping center para requerer a suspensão da exigibilidade de todas as obrigações pecuniárias do contrato de locação enquanto perdurassem as determinações de suspensão das atividades e restrição à circulação de pessoas por causa da pandemia.[3]

O juiz da 25ª Vara Cível de Brasília/DF que analisou o caso deferiu a antecipação de tutela para suspender a cláusula de aluguel mínimo e de fundo de promoção e propaganda de contrato de locação em shopping center pelo prazo de duração das medidas de suspensão das atividades.

No caso específico, o magistrado salientou que o contrato vincula o aluguel ao faturamento e, com base no art. 317 do Código Civil[4], poderia ser feita a correção da desproporção entre o valor da prestação devida e aquele do momento de sua execução, de maneira a assegurar o valor real da prestação.

 Despesas de condomínio

Importante destacar que no julgado do caso acima narrado e em casos similares, o valor do condomínio não é afastado, uma vez que diz respeito às despesas com terceiros de boa-fé.

Portanto, no tocante ao pagamento do valor do condomínio, o entendimento jurisprudencial, por ora, é que tal cobrança não pode ser afastada, uma vez que envolve despesas devidas em razão da manutenção do shopping, sendo necessário que o locatário continue a adimplir com os encargos condominiais.

Franquias pedem flexibilidade

As 1.300 redes de franquias associadas à Associação Brasileira de Franchising (ABF) já estão em tratativas com as administradoras de shopping centers, para que estas, durante a pandemia de coronavírus, flexibilizem os valores acordados no contrato de locação. [5]

A ABF já se manifestou no sentido de que está em contato direto com as redes administradoras de shoppings para tentar negociar medidas que minimizem o efeito da baixa demanda para os lojistas e franquias que operam em shopping centers. Segundo a entidade, as franquias correspondem a 40% das lojas satélites (lojas de pouca metragem, da praça de alimentação) dos centros de compra. [6]

Teoria da Imprevisão

Verifica-se que o Poder Judiciário já tem atuado em algumas situações para intervir na relação de locação, considerando, principalmente, o risco de ruína econômica em caso de manutenção do pagamento de aluguel mensal, ante a impossibilidade de o locatário auferir rendimentos, por conta de decisão governamental.

Este entendimento se deve à aplicação pelos magistrados de uma teoria jurídica denominada “Teoria da Imprevisão”, cuja função é atuar criteriosamente para impedir que os objetivos econômicos do contrato se frustrem pelas surpreendentes adversidades que radicalizam a incoerência da vantagem excessiva para um e o sacrifício cruel para outro”[7].

Neste sentido, de fato a pandemia de coronavírus pode ser considerada como fator de superveniente onerosidade excessiva, que justificaria a aplicação de uma excepcional intervenção do Poder Judiciário no cumprimento das cláusulas contratuais.

Importante salientar que a boa-fé e razoabilidade deve ser observada por ambas as partes. Como a crise em decorrência da pandemia afeta ambas as partes de um contrato, em maior ou menor grau, o uso do argumento de onerosidade excessiva pode não ser absolutamente empregado em favor de apenas uma das partes em detrimento da outra. Nesse sentido, recomenda-se a tentativa de negociação e a ponderação para que as partes consigam chegar a um acerto equilibrado, que permita que ambas consigam manter seus negócios em operação, ainda que cada uma delas tenha que flexibilizar suas exigências em prol da sustentabilidade da relação.

[1] https://abrasce.com.br/numeros/setor/

[2] No mesmo sentido, o dono de um restaurante instalado em um shopping de Campinas (SP) obteve na Justiça uma liminar para suspensão do pagamento de aluguel e de um fundo de propaganda enquanto o empreendimento permanecer fechado por conta da pandemia do novo coronavírus. Decisão disponível em: https://www.migalhas.com.br/arquivos/2020/4/ADB041AC5E7138_lojista.pdf

[3] Íntegra da decisão: https://www.conjur.com.br/dl/juiz-df-autoriza-lojista-shopping.pdf

[4] Art. 317 do Código Civil: Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

[5]https://exame.abril.com.br/pme/lojistas-pedem-aos-shoppings-desconto-em-aluguel-para-nao-quebrar/

[6] Ibdem

[7] Desembargador Ênio Santarelli Zuliani, citado na decisão proferida no processo 1027457-83.2020.8.26.0100, em trâmite na 32ª Vara Cível do Foro Central de São Paulo

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