O Senado aprovou no dia 6/11/2019 um projeto de lei de franquia, proposto pela Câmara (PLC 219/2015), que revoga e substituirá a Lei 8955/94, e funcionará como o novo marco legal do franchising.
O PLC foi enviado para sanção presidencial, que deve ocorrer em até 15 dias da aprovação do Senado, e entra em vigor 90 dias após sua publicação no Diário Oficial.
Destacaremos a seguir as principais mudanças trazidas pelo PLC 219/2015.
Franqueado não é consumidor, nem funcionário
Na definição de franquia empresarial, logo no art. 2º, o PLC reforça que a relação entre franqueador e seus franqueados não caracteriza relação de consumo ou vínculo empregatício, seja em relação ao franqueado ou a seus empregados, ainda que durante o período de treinamento. Essa nova redação da definição de franquia empresarial fortalece o sistema de franchising, pois havia a insistência, equivocada, em algumas causas judiciais, de se tentar caracterizar o franqueado como consumidor ou empregado do franqueador. Além disso, ela afasta uma dúvida recorrente de que os treinamentos fornecidos por franqueadores aos franqueados e respectivos funcionários, como parte da transferência do know-how, essencial nas relações de franquia, poderiam gerar algum tipo de vínculo trabalhista entre eles. Não é o caso, já que franqueadores e seus franqueados são empresários autônomos e independentes, respondendo unicamente o franqueado por seus próprios funcionários, inclusive pelas obrigações trabalhistas a eles referentes. Tais obrigações não cabem aos franqueadores.
O PLC vem esclarecer que empresa estatal, privada ou por entidade sem fins lucrativos, independentemente do segmento em que desenvolva as atividades podem adotar o modelo de franquia, aplicando-se a elas igualmente a lei de franquia.
Inovações na Circular de Oferta de Franquia após aprovação do Novo Marco Legal do Franchising
Mantém-se a obrigação de entrega da Circular de Oferta de Franquia pelo franqueador a seus candidatos a franqueados, 10 dias antes da assinatura de qualquer contrato de franquia e que o franqueador possa receber qualquer taxa de franquia ou royalties do franqueado.
Ela deve ser escrita em Língua Portuguesa de forma objetiva e acessível. O artigo 3 traz a lista de informações mínimas e obrigatórias que devem constar na Circular de Oferta. Nessa lista, houve algumas inovações, tais como:
a) Remuneração periódica. O PLC requer que seja indicado na Circular de Oferta um detalhamento sobre remuneração periódica pelo uso do sistema, da marca, de outros direitos de propriedade intelectual do franqueador ou sobre quais este detém direitos ou, ainda, pelo pagamento dos serviços prestados pelo franqueador ou franqueado. Inclui-se nesse item a referência mais ampla a pagamentos por direitos de propriedade intelectual do franqueador ou sobre os quais ele tem direito, pois a Lei 8955 só fala em marca.
b) Relação de franqueados e ex-franqueados. O PLC determina que seja incluída na Circular de Oferta a relação completa de todos os franqueados, subfranqueados ou subfranqueadores da rede e, também, dos que se desligaram nos últimos vinte quatro meses, com os respectivos nomes, endereços e telefones. A atual lei requer que essa lista seja dos últimos doze meses.
c) Território. Enquanto a Lei 8955 exige que o franqueador indique na Circular de Oferta como trata a questão do território, se i) é ou não concedida exclusividade ou preferência e ii) sobre a possiblidade ou não do franqueado fazer vendas ou prestar serviços fora do território definido em contrato ou realizar exportações, o PLC requer sejam inseridas na Circular de Oferta, além desses dois aspectos, informações relativas à política de atuação territorial sobre se há e quais são as regras de concorrência territorial entre unidades.
d) O que é oferecido pelo franqueador. Nesse ponto, o PLC adiciona, com uma redação mais abrangente, a obrigação de o franqueador informar se fornece suporte aos seus franqueados e em quais condições ele ocorre, como se dá o oferecimento de inovações tecnológicas às franquias pelo franqueador.
e) Propriedade intelectual. Ao item que atualmente exige que o franqueador informe quais são as marcas e patentes franqueadas e suas situações perante o INPI, o PLC passará a exigir que o franqueador inclua informações sobre a situação da de outros direitos de propriedade intelectual relacionados à franquia, além das marcas e patentes (podem ser direitos autorais, desenhos industriais, cultivares), cujo uso será autorizado em contrato pelo franqueador, incluindo a caracterização completa, com o número do registro ou do pedido protocolizado, com a classe e subclasse, nos órgãos competentes, e, no caso de cultivares, situação perante o Serviço Nacional de Proteção de Cultivares – SNPC.
f) Novidades de conteúdo para a Circular de Oferta e consolidação de algumas práticas: O PLC passa a exigir que o franqueador informe na Circular de Oferta os seguintes novos itens, embora, na prática, muitos franqueadores já adotem essas práticas:
i. Sucessão e repasse. O PLC passa a exigir que o franqueador informe na Circular de Oferta se há ou não de regras de transferência/repasse ou sucessão e quais são elas.
ii. Prazo contratual. O PLC passa a exigir que o franqueador informe na Circular de Oferta o prazo contratual e as condições de renovação.
iii. Penalidades. O PLC passa a exigir que o franqueador informe na Circular de Oferta as situações em que são aplicadas penalidades, multas ou indenizações e respectivos valores, estabelecidos no contrato de franquia.
iv. Quotas mínimas para compras. O PLC passa a exigir que o franqueador informe na Circular de Oferta sobre a existência de quotas mínimas de compra pelo franqueado junto ao franqueador, ou a terceiros por este designado, e sobre a possibilidade e as condições para a recusa dos produtos ou serviços exigidos pelo franqueador.
v. Conselho ou associação de franqueados. O PLC passa a exigir que o franqueador informe na Circular de Oferta sobre a existência ou não de conselho ou associação de franqueados, com as atribuições, poderes e os mecanismos de representação perante o franqueador, detalhando as competências para gestão e fiscalização da aplicação dos recursos de fundos existentes. Nesse ponto, aqui, ressaltamos que acabou de ser vetado – em 22/10/2019 – pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) uma emenda ao PLC 219/2015, que pretendia obrigar redes de franquia com mais de 50 unidades a estruturar um conselho ou associação de franqueados. Felizmente, com base em manifestação da Associação Brasileira de Franchising (ABF) tal exigência foi rechaçada, pois, além de ferir o princípio constitucional da livre iniciativa e livre associação, geraria um ônus desnecessário a franqueadores e franqueados, em casos em que as redes não desejassem ter tal órgão. Trata-se de um assunto que não devia ter interferência do Estado.
vi. Regras de concorrência entre franqueador e franqueados. O PLC passa a exigir que o franqueador informe na Circular de Oferta sobre regras de limitação à concorrência entre o franqueador e os franqueados, e entre os franqueados, durante a vigência do contrato de franquia, detalhando abrangência territorial e o prazo de vigência da restrição, e das penalidades em caso de descumprimento.
g) Descumprimento da obrigação de entrega da Circular de Oferta. Além da anulabilidade do contrato, o PLC prevê que o descumprimento quanto à obrigação de entrega da Circular de Oferta poderá gerar a nulidade do contrato de franquia, conforme for o caso, como se ele nunca tivesse existido.
h) Sublocação pelo franqueador. Uma das maiores inovações do PLC para as relações de franquia é o artigo 5º e seu parágrafo único, que passará a permitir que, nos casos em que o franqueador subloque ao franqueado o ponto comercial onde se acha instalada a franquia, i) qualquer das partes terá legitimidade para propor a ação renovatória do contrato de locação do imóvel, vedada a exclusão de qualquer uma delas do contrato de locação e de sublocação por ocasião da sua renovação ou prorrogação, salvo nos casos de inadimplência dos respectivos contratos ou do contrato de franquia e que ii) o valor do aluguel a ser pago pelo franqueado ao franqueador, nessas sublocações, poderá ser superior ao valor que o franqueador paga ao proprietário do imóvel na locação originária do ponto comercial, desde que: I – essa possibilidade esteja expressa e clara na Circular de Oferta de Franquia e no contrato; e II – o valor pago a maior ao franqueador na sublocação não implique excessiva onerosidade ao franqueado, garantida a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da sublocação na vigência do contrato de franquia.
i) Lei aplicável ao contrato de franquia e foro competente. O PLC prevê que os contratos de franquia cujos efeitos se produzam exclusivamente no Brasil serão regidos pela legislação brasileira e que nos contratos internacionais de franquia, os contratantes poderão optar pelo foro de um de seus países de domicílio. O PLC define contrato internacional como aquele que, pelos atos concernentes à sua conclusão ou execução, ou ainda à situação das partes quanto à sua nacionalidade ou seu domicílio, ou à localização de seu objeto, tem liames com mais de um sistema jurídico. Ademais, pelo PLC, caso expresso o foro de opção no contrato internacional de franquia, ambas as partes deverão constituir e manter representante legal, ou procurador, devidamente qualificado e domiciliado no país do foro definido, com poderes para representá-las administrativa e judicialmente, inclusive para receber citações, se for o caso. Os contratos de franquia internacional serão escritos originalmente em Língua Portuguesa ou contar com tradução certificada para a Língua Portuguesa, produzida à custa do franqueador.
j) Arbitragem. O PLC traz também, como reforço de algo que já é adotado, na prática, por diversos franqueadores, a possibilidade de as partes elegerem juízo arbitral para solução de controvérsias relacionadas ao contrato de franquia.
k) Início da Vigência da Lei. A nova lei, se aprovada, entra em vigor após decorridos 90 dias de sua publicação oficial. Em plenária na Convenção ABF do Franchising, no mês de outubro, representantes da ABF declararam acreditar que o novo marco Legal do Franchising seria aprovado ainda neste ano de 2019, dada a relevância do tema e pelo fato de o setor ser um fator impulsionador de empregos e do crescimento da economia.
Chiarottino e Nicoletti Advogados acompanha de perto os desdobramentos do tema apresentado e permanece à disposição para dúvidas e esclarecimentos.
Autora: Flávia Amaral