Supressão de garantias pelo plano de recuperação judicial deve ter a anuência expressa do credor, conforme recente entendimento da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça

Por Leandro Augusto Ramozzi Chiarottino, Mirella Guedes, Thiago Vinícius Capella Giannatasio e Bruna Queiroz Riscala

Conforme noticiado pelo Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) no último dia 17.05.2021[1], a Segunda Seção, em julgamento do Recurso Especial nº 1.794.209/SP , confirmou o entendimento de que o plano de recuperação judicial que contenha cláusula que afaste as garantias reais e fidejussórias somente será oponível aos credores que aprovaram o plano sem ressalvas, não alcançando aqueles que não estavam presentes na assembleia geral de credores, que se abstiveram de seu voto, ou que votaram contra tal disposição.

O relator do caso, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, destacou que a jurisprudência se firmou no sentido de que novação que decorre da concessão da recuperação judicial se distingue daquela prevista no Código Civil, não atingindo as garantias prestadas por terceiros.

Assim, inexistindo manifestação do titular do crédito com indubitável intenção de novar em relação às garantias, não é possível afastar a previsão legal do artigo 49, §1º, da Lei 11.101/2005, segundo a qual a novação não se estende aos coobrigados. Conforme o entendimento da Egrégia Instância, a novação depende da constatação do inequívoco animus novandi, não podendo ser presumida, nos termos do artigo 361 do Código Civil.

Ainda, no julgamento do caso em comento, o STJ anotou que o artigo 50, §1º, da Lei 11.101/2005 é claro ao estabelecer que na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor.

Em seu voto, o Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva teceu importantes considerações acerca da segurança jurídica atrelada ao custo do crédito:

 “ (…) é inegável que a segurança jurídica proporcionada pelas garantias em geral tem um grande reflexo no setor econômico do país, visto que o credor, confiante no retorno de seus investimentos, tende a disponibilizar capital mais barato e, como consequência, o número de empréstimos aumenta, atraindo mais investidores.

O cenário de incerteza quanto ao recebimento do crédito em decorrência do enfraquecimento das garantias é desastroso para a economia do país, pois gera o encarecimento e a retração da concessão de crédito, o aumento do spread bancário, a redução da circulação de riqueza, provoca a desconfiança dos aplicadores de capitais, nacionais e estrangeiros, além de ser nitidamente conflitante com o espírito da Lei nº 11.101/2005 e com as novas previsões de financiamento trazidas pela Lei nº 14.112/2020.”

Fortalecendo a tese de preservação das garantias, abordou as atualizações promovidas pela Lei nº 14.112/2020, ressaltando que o legislador previu novas formas de financiar a empresa em crise, por meio do DIP – Debtor in Possession Financing que, inclusive, tem por finalidade oferecer maior segurança aos possíveis financiadores, podendo ser autorizado o oferecimento de bens pertencentes ao ativo não circulante da devedora, além de bens de terceiros que tenham interesse em contribuir para o financiamento da atividade empresarial. Salientou a possibilidade de autorização de constituição de garantia subordinada, ou seja, de ativo que já garante a dívida de um credor ser oferecido novamente como garantia, sem que se tenha autorização do detentor da garantia original, sendo certo que a garantia subordinada está limitada ao eventual excesso resultante da alienação do ativo objeto da garantia original, conforme previsão do artigo 69-C, § 1º, da Lei nº 11.101/2005.

Ao final, o Ministro relator mencionou que a alteração legislativa, confirmando a importância das garantias, incluiu o artigo 69-K, § 2º, na Lei nº 11.101/2005 que dispõe que “A consolidação substancial não impactará a garantia real de nenhum credor, exceto mediante aprovação expressa do titular”.

A conclusão do voto condutor não poderia ser outra senão a de que “Solução em sentido contrário, ou seja, a submissão ao plano de recuperação de credores que votaram contra a cláusula que prevê a exclusão de garantias, importa verdadeira afronta à segurança jurídica e seus consectários, visto que um credor que concede crédito e recebe em troca uma garantia, certamente precisa de segurança mínima de que essa garantia será respeitada, mesmo em caso de recuperação ou falência, na forma como prevista na Lei 11.101/2005”.

Verifica-se, portanto, que o credor que compareceu à assembleia e votou favoravelmente ao plano de recuperação judicial, sem qualquer ressalva quanto à manutenção de suas garantias reais e/ou fidejussórias, terá seu crédito inteiramente novado, não podendo mais perseguir os coobrigados.

Por essa razão, recomenda-se aos credores que tenham interesse na aprovação do plano de recuperação judicial, mas pretendem, no entanto, a manutenção das garantias originalmente constituídas, que apresentem ressalvas discordando expressamente de eventual cláusula que preveja a sua supressão e/ou substituição, de forma a evitar que essa previsão lhes atinja.

[1] https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/17052021-Plano-de-recuperacao-nao-pode-suprimir-garantias-sem-autorizacao-do-credor–decide-Segunda-Secao.aspx, acessado em 19.05.2021.