Por Mirella Guedes, Thiago Vinícius Capella Giannattasio e Bruna Queiroz Riscala
A Lei Federal nº 14.112/20, que entrou em vigor em 23 de janeiro de 2021 (“Lei nº 14.112/20”), trouxe importantes alterações às normas de direito recuperacional e falimentar, buscando, em diversos pontos, a consolidação de entendimentos anteriormente adotados pelos tribunais brasileiros. Neste artigo, abordaremos as alterações trazidas pela Lei nº 14.112/20 acerca do denominado “Stay Period” ou, também chamado, “Período de Blindagem”, previsto no §4º do artigo 6º da Lei Federal nº 11.101/05 (“Lei de Falências e Recuperações Judiciais” ou “LRF”).
Em síntese, o Stay Period é o prazo de suspensão, por 180 (cento e oitenta) dias, das execuções ajuizadas em face da recuperanda e de quaisquer medidas de constrição sobre seus bens, que tem início com o deferimento do processamento da recuperação judicial, de forma a possibilitar à empresa em recuperação estabilizar sua situação econômica, por meio da negociação com os credores dos termos e condições do plano de recuperação judicial que será apresentado.
A redação original da lei expressamente vetava a prorrogação do Stay Period, no entanto, esta proibição vinha sendo flexibilizada pelos tribunais, desde que comprovado que a recuperanda não deu causa à não aprovação do plano dentro do Período de Blindagem, e não tenha, por qualquer forma, contribuído para o retardamento no andamento do processo.
Em recente julgamento, a Quarta Turma do STJ[1] manifestou o entendimento no sentido de que o decurso do período de blindagem não autoriza a retomada das demandas em face do devedor de forma automática, mormente em razão do princípio de preservação da empresa, esculpido pelos artigos 47 e 49 da Lei de Falências e Recuperações Judiciais.
Diante da formação de vasta jurisprudência permitindo a flexibilização do Stay Period, a Lei Federal nº 14.112/2020 positivou esse entendimento ao alterar a parte final do § 4º do artigo 6º, tornando o prazo de 180 (cento e oitenta) dias prorrogável uma única vez, em caráter excepcional. Dessa forma, não tendo sido aprovado o plano de recuperação judicial no prazo inicial do Período de Blindagem e desde que a recuperanda não tenha concorrido com a demora, poderá o Juízo recuperacional prorrogar o Stay Period por mais 180 (cento e oitenta) dias.
Outra inovação trazida pela Lei nº 14.112/2020 consiste na hipótese de ocorrer o decurso do prazo de 180 (cento e oitenta) – ou 360 (trezentos e sessenta) dias, caso tenha sido prorrogado – sem que o plano de recuperação judicial tenha sido deliberado. Neste caso, incluiu-se a possibilidade de apresentação de plano alternativo pelos credores, nos exatos termos do §4º-A do artigo 6º da LFR. Se os credores exercerem essa faculdade, o Stay Period será mais uma vez aplicável à recuperanda por novo prazo de 180 (cento e oitenta) dias.
A Lei nº 14.112/2020 promoveu, ainda, outra relevante alteração ao possibilitar a antecipação do Stay Period admitindo-se a concessão de tutela de urgência de caráter antecipado, conforme o recém-incluído §º 12 do artigo 6º da Lei de Recuperações e Falências:
“Observado o disposto no art. 300 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), o juiz poderá antecipar total ou parcialmente os efeitos do deferimento do processamento da recuperação judicial.”
Tal alteração também considerou o contexto da crise gerada pela pandemia da COVID-19, uma vez que, para o deferimento do processamento da recuperação judicial, é imprescindível a apresentação dos documentos contidos no artigo 51 da LRF, com o intuito de provar a verdadeira necessidade do processo recuperatório.
Entretanto, no contexto atual, sobretudo com as medidas restritivas de funcionamento de determinados locais e órgãos públicos, o acesso à documentação necessária se tornou dificultoso, fato que poderia prejudicar empresas que necessitam com urgência dos efeitos do Stay Period e que poderiam sofrer medidas constritivas oriundas de ações e execuções.
Como o próprio artigo 6º, §12 da LRF preceitua, é necessário que os requisitos do artigo 300 do Código de Processo Civil sejam atendidos para o deferimento da tutela de urgência e a antecipação dos efeitos do Stay Period, quais sejam: i) periculum in mora, que poderá se caracterizar pelo perigo de dano decorrente de medidas constritivas em face dos ativos do devedor pelos credores, bem como pela impossibilidade de se obter em tempo hábil a documentação exigida pela lei para o deferimento do processamento da recuperação e; ii) fumus boni iuris, segundo o qual o devedor deve comprovar que atende aos requisitos exigidos pela LRF para o requerimento da recuperação judicial.
Cabe ponderar que a tutela não poderá perdurar por prazo indeterminado, em prejuízo dos credores, conforme preleciona Marcelo Barbosa Sacramone[2]:
“Nos casos absolutamente urgentes, o pedido de tutela antecipada em caráter antecedente deverá exigir o aditamento da petição inicial e a complementação da argumentação e da documentação exigida pelo art. 51 no prazo de 15 dias, a menos que prazo maior seja fixado judicialmente (art. 303, §1º, do CPC) ”
Depreende-se, portanto, que a Lei nº 14.112/20 trouxe importantes alterações às normas recuperacionais, buscando a consolidação de entendimentos já adotados pela jurisprudência no que tange ao Stay Period. Como já vem ponderando parte da doutrina, os aplicadores do direito deverão se manter atentos ao entendimento a ser seguido pelos tribunais brasileiros, acompanhando se permanecerá sendo admitida a extensão do Período de Blindagem ou se a alteração legislativa agora será respeitada ipsis litteris, admitindo-se única prorrogação.
[1] In STJ, AgInt no AREsp 1684995 / RS, Quarta Turma, Min. Rel. MARCO BUZZI, J. 29/10/2020.
[2] In “Comentários à Lei de Recuperação e Falência”, 2ª Edição, 2021, página 125.